“O corpo é uma festa.”
[Eduardo Galeano]
Começo agradecendo e dizendo que fico feliz de estarmos recebendo tanto apoio estruturado em meio a toda essa loucura coletiva em que estamos sendo usados como bode expiatório para ataques ao governo da cidade, à esquerda como um todo, aos artistas, aos corpos e corpas LGBTQIA+.
Em seguida gostaria de reiterar aqui o total interesse que tivemos durante a convocatória em selecionar corpos gordos e PCD. Esse é um debate válido, para nós também. Sabemos que o contexto artístico, principalmente da dança, é um campo que reproduz a gordofobia e o capacitismo da nossa sociedade. Por termos consciência disso e discordarmos dessa realidade, além do texto da convocatória para seleção de artistas do PRAIA dizer especificamente que nos interessavam corpos os mais diversos, entramos em contato direto com várias pessoas que, embora tenha achado a proposta bem interessante acabaram não bancando a inscrição. Entendo perfeitamente. Trabalho com intervenção urbana há anos, a rua é cruel. E pelo visto, a internet é mais ainda. E o PRAIA especificamente é um trabalho que nos deixa muito expostas, os julgamentos são atrozes. As pessoas se preservam. Então escrevo pra reiterar isso, dizer que nós também lamentamos, e muito, o fato de não termos conseguido ter essas pessoas conosco. Essa é uma realidade que nós, em nosso pequeno fôlego, não temos (ou não tivemos nesse caso) condições de transformar. Seguiremos tentando. Por outro lado não dá pra dizer que não havia diversidade de corpos presentes na cena. Entre 15 artistas temos 2 mulheres trans, um corpo queer, metade do elenco é de pessoas LGBTQIA+, uma mulher de 57 anos, um homem de 51, jovens na casa dos vinte, dos trinta, eu com 42, uma paleta de cores variada (teríamos ainda mais dois artistas negros que por razões pessoais não puderam participar), cabelos múltiplos e celulites e estrias sim, com muito orgulho.
Sobre protocolos em relações à COVID-19, segundo o “Juiz de Fora Viva – cidade em movimento”, no atual momento artistas podem se apresentar sem necessidade do uso de máscaras. Cantores estão em todos os palcos dos bares e casas de show de Juiz de Fora sem máscaras (e os clientes também). Não há um movimento de protesto organizado contrário a isso. Estávamos em um espaço cênico restrito, com 15 artistas, ao ar livre, delimitado claramente e onde o público não circulava, quem nos assistia estava no entorno da maneira como já estava andando na rua – alguns com máscara, outros sem.
Seguimos à risca todos os protocolos sanitários, todos os artistas foram testados e têm seu esquema vacinal completo, ensaiamos com máscaras durante 1 semana, estávamos vendo nossos rostos completos em cena pela primeira vez ali.
Sobre o dinheiro público, para além do óbvio sobre o direcionamento de verbas e as pastas destinadas, impossibilidade de pedaladas e sobre o interesse do desmonte à cultura:
Caíram na conta do projeto exatos R$15.369,36, como pode ser visto no edital. O projeto conta com 19 pessoas envolvidas, em 3 meses de trabalho – contando o mês de prestação de contas, 4. É fazer as contas e ver se de fato é dinheiro demais. Somos trabalhadoras e trabalhadores do setor cultural. Esse é nosso ofício e é a partir de ações artísticas que movimentam dinheiro que pagamos nossa contas. Não vejo também nenhum protesto organizado reclamando do valor dos salários exorbitantes dos políticos e seus assessores, dizendo que essa verba seria melhor destinada aplicada a hospitais ou buracos da cidade – gostando ou não dos políticos que estão cumprindo seus mandatos.
No fim das contas, um corpo exposto num contexto deslocado, não autorizado pelos costumes, incomoda. Se for um corpo de homem usando uma tanga, incomoda um pouco mais. Se forem vários corpos felizes e despreocupados, rindo, relaxando e dançando, de roupa de banho, em frente ao Paço Municipal – misericódia! Um perigo.
Quer refletir sobre isso? Sábado dia 12/02, às 10h, estaremos novamente fazendo PRAIA. E festa. Venha. Se abra para desfrutar também dessa experiência.
Às ordens,
Leticia.
